quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Análise sobre a Inclusão na Rede Municipal de Belo Horizonte/MG

Coletivo para Elaborar Políticas de Inclusão de Alun@s com Deficiência

(Texto elaborado por Wanderson Paiva Rocha – Diretor do Sind-Rede/BH)
18/09/2007

A partir de visitas às escolas municipais de Belo Horizonte e nas Assembléias d@s Trabalhadoras/es em Educação tornou-se comum as declarações de insatisfação com a atual política implementada pela PBH para a inclusão d@s alun@s com deficiência nas escolas regulares. A necessidade de uma reestruturação desta política de inclusão tornou-se urgente. Desta forma, o sindicato das/os Trabalhadoras/es em Educação da Rede Municipal de Belo Horizonte – Sind-Rede/BH está construindo um espaço para discussão e elaboração de diretrizes que possam contrapor com a real situação da inclusão destas/es alun@s nas escolas da Rede Municipal de Ensino/BH, através das políticas elaboradas pela Secretaria Municipal de Educação/SMED.

Para a elaboração de políticas que possam contemplar o processo de inclusão na RME alguns parâmetros teóricos devem fazer parte de nossa discussão. Compreender tal processo significa resgatar o histórico tendo como base o período anterior ao século 20, que podemos chamar de fase da exclusão, na qual a maioria das pessoas com deficiência e outras condições era tida como indigna de educação escolar. Num outro momento, tivemos a chamada de segregação, já no século 20, no qual iniciou-se com o atendimento às pessoas deficientes dentro de grandes instituições que, entre outras coisas, propiciavam classes de alfabetização. A partir da década de 50 e mais fortemente nos anos 60, com a eclosão do movimento dos pais de crianças a quem era negado ingresso em escolas comuns, surgiram as escolas especiais e, mais tarde, as classes especiais dentro de escolas comuns. O sistema educacional ficou com dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação uma com a outra: a educação comum e a educação especial. Já na década de 70, constituiu-se a fase da integração, embora a bandeira da integração já tivesse sido defendida a partir do final dos anos 60. Nesta nova fase, houve uma mudança filosófica em direção à idéia de educação integrada, ou seja, escolas comuns aceitando crianças ou adolescentes deficientes nas classes comuns ou, pelo menos, em ambientes o menos restritivo possível. Só que se considerava integrados apenas aqueles estudantes com deficiência que conseguissem adaptar-se à classe comum como esta se apresentava, portanto sem modificações no sistema. A educação integrada ou integradora exigia a adaptação dos alunos ao sistema escolar, excluindo aqueles que não conseguiam adaptar-se ou acompanhar os demais alunos. As leis sempre tinham o cuidado de ressaltar a condição "preferencialmente na rede regular de ensino", o que deixava em aberto a possibilidade de manter crianças e adolescentes com deficiência nas escolas especiais. Finalmente, com o paradigma da inclusão, que surgiu na segunda metade da década de 80, incrementou-se nos anos 90 e adentrou no século 21. A idéia fundamental desta fase é a de adaptar o sistema escolar às necessidades dos alunos. A inclusão propõe um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência e com ou sem outros tipos de condição atípica. A inclusão se baseia em princípios tais como: a aceitação das diferenças individuais como um atributo e não como um obstáculo, a valorização da diversidade humana pela sua importância para o enriquecimento de todas as pessoas, o direito de pertencer e não de ficar de fora, o igual valor das minorias em comparação com a maioria.

Tendo como base um breve histórico da Educação especial na RME/BH, descrito por Elizabet Dias de Sá (Coordenadora do Núcleo de Educação do Centro de Aperfeiçoamento dos profissionais de Educação (CAPE) e membro do Conselho Municipal dos Portadores de Deficiência de Belo Horizonte, MG), podemos analisar que possui uma trajetória recente, “ganhando expressão a partir de 1989, quando se iniciou a implantação de unidades específicas para este fim. De acordo com Panorama da Educação Municipal (2006) até 1990, o atendimento às pessoas com deficiência, era feito exclusivamente por meio de convênios e contratos com a rede privada de clínicas especiais, mediante a concessão de bolsas. Estes tipos de convênios e contratos são mantidos até hoje. A Prefeitura de Belo Horizonte mantém três escolas especiais com características distintas com relação às estruturas convencionais. Essas escolas não apresentam definição clara, explícita e coesa em relação à elegibilidade do alunado”.

Em 2006 a SMED determinou que as escolas de Ensino Especial não receberiam mais matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais passando essa obrigatoriedade para as escolas regulares.
Nas décadas de 80 e 90, algumas escolas municipais passaram a receber alun@s do Ensino Especial através da integração, ou seja, freqüentavam o ensino regular, mas continuavam o outro período na escola de origem. Foram criados as Salas de Recursos que eram locais que dispunham de equipamentos, materiais e recursos pedagógicos específicos à natureza das necessidades especiais d@s alun@s que as freqüentavam e onde se oferecia a complementação do atendimento educacional recebido por tais alunos que estavam integrados em classes de ensino comum. Elas/es eram atendid@s na Salas de Recursos individualmente ou em pequenos grupos por professoras/es especializad@s em horário diferente do freqüentado no ensino regular. Através da Resolução 004/96 da SMED criou-se a Oficina Pública que era uma “unidade educacional voltada para formação, reabilitação e qualificação profissional das pessoas com deficiência, além de ser local de fomento de pesquisa na área de capacitação de recursos humanos envolvidos com a formação profissional”. Com o objetivo de atender jovens e adultos que permanecessem anos seguidos na escola, na perspectiva de alfabetização ou oficinas pedagógicas, pois eram considerados como uma demanda potencial para a oficina pública profissionalizante.


Hoje vivenciamos um retrocesso na RME/BH, porque a PBH, além de não respeitar as deliberações conferências do Conselho Municipal de educação, que teve uma um papel significativo nos últimos na elaboração de políticas inclusivas no sistema de ensino municipal, retira, também, direitos conquistados, com muita luta d@s Trabalhadoras/es em Educação, nos Congressos Político-Pedagógicos tais como exemplos significativos:

  • O Tempo Coletivo, onde tod@s reuniam-se por duas horas semanais para discutir entre outras políticas educacionais, a proposta pedagógica da escola e a elaboração de instrumentos pedagógicos para as necessidades educacionais d@s alun@s com deficiência;
  • A desativação dos serviços de Educação Especial sem a preocupação de colocar nada lugar e sem o aproveitamento d@s Trabalhadoras/es destas escolas.


A preocupação é, neste momento, contra-argumentar com propostas que construam na RME/BH uma política inclusiva frente a estes retrocessos impostos pela PBH. Não existe uma política educacional que sobreviva sem a participação de todas as partes interessadas – poder público – comunidade escolar – sociedade. Desta forma, o Sind-Rede/BH assume o desafio de construir um espaço de reflexão e elaboração de políticas inclusivas que serão incorporadas às outras políticas educacionais na Conferência de Educação organizada pelo Sind-Rede/BH, ampliando a participação da comunidade escolar nos fóruns de discussão nas escolas municipais.


Um princípio é básico para a implementação da inclusão nas escolas regulares a/o estudante não é somente de um/a professor/a, mas do sistema de ensino, um trabalho que é de parceria e não mais cada qual no seu canto, assim, tod@s têm uma responsabilidade a cumprir. De acordo com Geraldo Bueno, em seu texto apresentado no grupo de trabalho da Anped (1998), A inclusão “deve ser gradativa porque é preciso que tanto os sistemas de educação especial, como os do ensino regular possam ir se adequando à nova ordem, construindo práticas políticas, institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade de ensino que envolve não só os alunos com necessidades educativas especiais, mas todo o aluno do ensino regular. (...) fica claro que a simples inserção de alunos com necessidades educativas especiais, sem qualquer tipo de apoio ou assistência aos sistemas regulares de ensino pode redundar em fracasso, na medida em que estes apresentam problemas graves de qualidade, expressos pelos altos níveis de repetência, de evasão e baixos níveis de aprendizagem.”


Percebemos que a PBH vive um conflito em seus amplos setores sobre qual é o papel da escola deixando de levar em conta o papel de cada sujeito no processo educacional. Para Romeu Sassaki (1997) “uma escola comum tal qual como sempre existiu não se torna automaticamente uma escola inclusiva só porque admitiu alguns alunos com deficiência nas classes comuns; uma escola comum só se torna inclusiva depois que se reestruturou para atender à diversidade do novo alunado em termos de necessidades especiais (não só as decorrentes de deficiência física, mental, visual, auditiva ou múltipla, como também aquelas resultantes de outras condições atípicas), em termos de estilos e habilidades de aprendizagem dos alunos e em todos os outros requisitos do princípio da inclusão”.


A inclusão tem sido usada, em Belo Horizonte, com fins políticos espúrios. Com isto serviços de Educação Especial tem sido desativados sem que nada tenha sido colocado no lugar e a Educação Regular Municipal recebe as/os alun@s com deficiência sem se organizar para recebê-l@s, ou ao menos, construir um diagnóstico para possibilitar a construção de instrumentos pedagógicos básicos para a análise de suas necessidades educacionais.


Tal política implementada pela PBH aproxima-se do pensamento da Dra. Leny Magalhães Mrech (Profª. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), quando descreve a FULL INCLUSION - Vertente mais radical do Paradigma da Inclusão. Prevê a inserção do aluno deficiente na classe comum sem quaisquer auxílios especiais. Eles partem de que é um direito da criança deficiente ter acesso a sala de aula regular. No entanto, mais ainda eles se deram conta de que, na escola, o problema da estigmatização é contínuo e os seus participantes precisam ser continuamente trabalhados.


Temos agora o desafio de desmistificar o tipo de inserção (integração ou inclusão) acontece nas escolas municipais dependendo do modo como o meio ambiente é utilizado e da maneira como a/o alun@ com necessidades educacionais é trabalhado, pode-se deduzir quais são as principais características do modelo de paradigma empregado:


INTEGRAÇÃO - Prevê a inserção seletiva dos alunos deficientes no ensino regular. Eles devem se adaptar sozinhos aos parâmetros vivenciados pelos alunos normais. Quando isto não ocorre, eles vão para as classes especiais e as escolas especiais. É mantido o conceito de deficiência no sentido tradicional.


INCLUSÃO - Parte do postulado do ambiente menos restritivo. O aluno deficiente deverá ser mantido no ensino regular com a ajuda e o suporte necessário dos professores do ensino regular e do ensino especial. Há a crítica ao conceito clássico de deficiência baseado no modelo médico e a adoção do conceito de deficiência baseado no modelo social. (Sassaki, 1997, p.47). Privilegia-se ao máximo as potencialidades do deficiente.


Hoje podemos identificar “duas correntes na perspectiva da Educação Inclusiva com propostas divergentes sobre qual é a melhor forma de educar crianças e jovens com necessidades educacionais especiais ...” (Mendes, 2001: 17). De um lado, encontram-se os que defendem a proposta de “inclusão” advogando que a “melhor colocação seria na classe regular, mas admitindo a possibilidade de serviços de apoio” ao atendimento na classe comum e os recursos educacionais especiais paralelos ao ensino regular. De outro lado, a proposta de “inclusão total” prevê “a colocação de todos os estudantes, independente do grau e tipo de incapacidade, na classe comum da escola próxima à sua residência, e a eliminação total do atual modelo de prestação baseado num continuum de serviços de apoio de ensino especial”.(Mendes, 2001:17)


O Coletivo para elaborar Políticas de Inclusão de Alun@s com Necessidades Educacionais Especiais tem a missão de responder as seguintes indagações:

  • Existe a necessidade de um Coletivo de Inclusão?
  • Qual é a realidade da inclusão na RME/BH?
  • Além das necessidades educacionais existem outras necessidades que podem favorecer o processo de aprendizagem d@s alun@s incluíd@s?
  • O que podemos exigir jurídico e politicamente da PBH?
  • O que queremos das escolas de Ensino Especial e d@s docentes destas escolas?


Bibliografia
ARANHA, Maria Salete Fabio. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. In Revista do Ministério Público do Trabalho, Ano XI, n.º 21, março, 2001, pp. 160-173.
BELO HORIZONTE (MG). Secretaria Municipal de Educação. Panorama da Educação Municipal. Belo Horizonte: SMED, 2006.
BRASIL Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brasília, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 1997.
BUENO, Geraldo - Crianças com necessidades educativas especiais, política educacional e a formação de professores: generalistas ou especialistas? Texto apresentado no Grupo de Trabalho da Anped - 1998.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Deficiência, educação escolar e necessidades especiais: reflexões sobre inclusão socioeducacional. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002.
MENDES, Enicéia Gonçalves. Raízes históricas da educação inclusiva. Trabalho apresentado em agosto de 2001, durante os Seminários Avançados sobre Educação Inclusiva, ocorrido na UNESP de Marília. (mimeo)
MRECH, Leny Magalhães. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Trabalho apresentado no evento do LIDE, Seminário EDUCAÇÃO INCLUSIVA: REALIDADE OU UTOPIA?, no dia 05 de Maio de 1999, no auditório da Faculdade de Educação da USP.
PRIETO, Rosângela Gavioli. Políticas públicas de inclusão: compromissos do poder público, da escola e dos professores – FEUSP/Dez.2002 Artigo publicado na Revista de Educação, Apeoesp, n.º 16, mar./2003
SASSAKI, Romeu Kazumi – Inclusão – construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997, p. 168.